domingo, 16 de março de 2008

Lei Maria da Penha
Mulheres vítimas de violência têm novo dispositivo para punição dos agressores
DANIELE RICCI
Fonte: www. gazetadepiracicaba.com.br
A lei Maria da Penha, criada há dez dias pelo Governo Federal para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, não deixa dúvida de que poderá contribuir para a diminuição dos registros desses tipos de ocorrência, tornando ultrapassado o velho ditado de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Porém, em Piracicaba, há controvérsias sobre se a queda desse índice de registros de agressão será gerada pela diminuição real da violência ou pelo medo das mulheres em denunciá-la. O cumprimento da lei na cidade também passa pela necessidade de uma estrutura adequada para o atendimento feminino, como a criação de um abrigo para as vítimas da violência doméstica, mas um projeto de lei que cria uma Secretaria de Defesa da Cidadania e um departamento de proteção à mulher, já tramita na Câmara Municipal de Vereadores e deverá ser votado na próxima semana.A Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Piracicaba, chega a receber mais registros durante os meses de férias, geralmente no verão e, principalmente às segundas-feiras ou pós-feriados. Nos últimos dois meses (junho e julho), foram registradas 209 denúncias de lesão corporal, 184 de ameaças e 75 de ofensas verbais contra mulheres. Outro dado preocupante e que envolve as maiores vítimas desses tipos de agressão - as crianças, que em geral vivenciam caladas o sofrimento da violência doméstica -, é que 70% delas serão, no futuro, vítimas ou praticantes da mesma violência. Um círculo vicioso que precisa ser quebrado, na opinião da delegada titular da DDM, Eliana Rodrigues Carmona, com educação nas escolas, desde a infância. Na última terça-feira (15), a adolescente Elisa (nome fictício), de 15 anos, engrossou as estatísticas do mês de agosto, embora nunca tivesse vivenciado o problema em sua casa. Grávida do namorado, um rapaz desempregado de 20 anos, ela passou toda a gravidez na casa dos pais e quando seu bebê completou três meses de vida, ela foi morar com o pai da criança. As discussões entre o casal, que vive com a família dele, tornaram-se constantes no último mês e, ao ameaçar abandoná-lo, na tarde de terça-feira, Elisa foi atingida por ele com um soco no rosto. "Ele sempre foi nervoso, costumava brigar na escola e se orgulhava de contar essas coisas", comentou a adolescente. Assustada com a violência contra a filha, a dona de casa Aparecida, 38 anos, também mãe de dois rapazes, disse acreditar que a lei Maria da Penha seja uma defesa eficiente para as mulheres que apanham e não têm como se defender por serem mais fracas. "Nunca vi isso em minha casa, sempre cuidei dessa menina e apesar de ser a primeira vez que isso acontece, resolvemos registrar BO (boletim de ocorrência) porque a gente fica com medo do que isso pode virar", desabafou a mãe.Pela nova lei, que altera o Código Penal Brasileiro e torna mais rigorosas as punições, os agressores podem ser presos em flagrante ou ter a prisão preventiva decretada; a detenção máxima aumenta de um para três anos, sem possibilidade de penas alternativas, como pagamento de multas, cestas básicas e serviços comunitários. Prevê ainda medidas que vão desde a saída do agressor do domicílio à proibição de sua aproximação da mulher agredida e dos filhos, que podem ser encaminhados a abrigos seguros, até que ela consiga reaver seus bens. Para a delegada Eliana Carmona, que há 18 anos atua nesse organismo, a lei serve não apenas para proteger a mulher, mas para conscientizá-la sobre sua responsabilidade ao denunciar uma agressão. "Antes a mulher registrava o BO, depois voltava para retirar a queixa e o fato persistia. Tenho mulheres que já registraram mais de 20 boletins em um ano, mas sempre voltam para renunciar do registro." Esse tipo de atitude representa 40% em termos de desistências de queixas nas delegacias, o que aumenta a sensação de impunidade do agressor. Agora, a mulher só poderá desistir da denúncia em audiência com o juiz. O delegado Francisco Osvaldo Martins Hoppe, titular do 3º distrito policial de Piracicaba e que geralmente responde pela DDM na ausência da delegada Eliana Carmona, a maioria das mulheres que desiste da denúncia é por dependerem financeiramente do agressor. "Muitas são donas de casa e não têm alternativa, por isso vão agüentando. A maioria das que fazem o BO são mulheres de baixa renda. As agressões também ocorrem com mulheres de classe média e alta, mas essas, que em geral têm mais condições de se manter, separam-se mas não registram queixa para evitar exposição."A retirada do processo, na opinião de Hoppe, ocorre também depois que o agressor é chamado a conversar com o delegado. "A mulher sente-se mais segura, afirma que quer só uma conversa para 'mudar ele', com a intenção ilusória de que isso irá salvar sua relação", comenta o delegado. "Acho que a lei vem para coibir essas condutas, mas não solucioná-las, porque o cerne da situação é o problema social, que reduz a esperança de uma vida melhor, afetando a relação conjugal e desencadeando as agressões", afirma Hoppe.Ele refere-se a fatores sociais como alcoolismo e desemprego, que levam os homens a "descontar" nas mulheres suas frustrações. O alcoolismo é um dos principais motivos das discussões e da justificativa do fato das agressões ocorrerem principalmente após os dias em que os homens permanecem mais tempo em casa durante o dia. Mas ciúmes, machismo e personalidade agressiva nata também fazem parte do perfil dos agressores.A delegada Eliana acredita que, sendo penalmente responsável pela atitude violenta, o agressor pensará duas vezes antes de praticar o crime. "Cada caso será analisado e se a vítima manifestar seu desejo de ser protegida, o caso será encaminhado ao Poder Judiciário, que terá 48 horas para tomar as medidas", disse. "Esse processo constará nos antecedentes criminais do agressor, que deixa de ser réu primário. A partir do momento que a Justiça passar a autuar efetivamente em flagrante, acredito que inibirá a conduta de outros agressores."DispositivosA lei Maria da Penha cria mecanismos para punição dos agressores, mas na opinião da delegada titular da DDM local, caberá à União, Estados e municípios atuarem em parceria para combater a violência, oferecendo, inclusive, atendimento ao agressor. O ideal, para ela, é a criação de uma equipe multidisciplinar que dê respaldo à agredida e às crianças. "É fundamental a existência de um centro de apoio que auxilie a mulher no processo da denúncia, com amparo psicológico a ela e aos filhos, auxílio em questões de trabalho, habitação e saúde. Hoje, a cidade oferece atendimento à mulher, mas não há nada específico à mulher vítima da violência. Essa lei deveria ser matéria nas escolas, uma questão que precisa ser tratada de forma educativa e preventiva, para impor respeito, para que as crianças de hoje consigam entender que violência é crime. A parte policial dos casos é de repressão e não de educação", ressaltou a delegada.As DDMs, segundo ela, em geral não têm estrutura material e humana suficientes para atender à essa nova demanda de prisões exigida pela lei, uma vez que implica em aumento no número de flagrantes e inquéritos policiais. "Só com a aplicação efetiva da lei vamos saber como vai ser realmente, ter noção do benefício que ela trará para a mulher."NomenclaturaA lei 11.340/ 2006 recebeu o nome de Maria da Penha em homenagem à biofarmacêutica cearense Maria da Penha Fernandes. Agredida pelo marido durante seis anos, ela ficou paraplégica depois de levar um tiro pelas costas, provocado por ele, em 1983. A segunda tentativa do agressor de matá-la foi por eletrocução e afogamento. Penha, que hoje é dependente de uma cadeira de rodas, escreveu um livro sobre sua história intitulado "Sobrevivi, posso contar". Seu marido só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado.

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