sexta-feira, 21 de março de 2008

Pobreza é outra situação igualmente respeitável. É como se para entendê-la, fosse necessário deixar o estômago vazio para se experimentar uma amostra grátis do sofrimento habitual do pobre: a fome. Acaba sendo como que uma legitimação: não se poder discutir a pobreza de barriga cheia. Há pessoas que, pelo próprio histórico de vida são legitimadas a discutir o pobre e suas questões. Como se tivessem um passaporte social que permitisse o discurso. Ou saíram de um meio social efetivamente pobre, ou doutoraram-se em pobreza, passando a ter uma sensibilidade especial com o carente.
Tudo isso passa por uma discussão de respeito ou de desrespeito, podendo fazer a questão chegar à discriminação. Pessoas não-pobres falam da pobreza sem lágrimas nos olhos, sem estar de joelhos, sem respeito, sem carinho. Sem um sentimento de revolta que deveria minimalizar todo o discurso. Sem um luto social que acompanhou, por exemplo, toda a produção de Betinho, o pai maior de todos os preocupados com as questões da miséria brasileira. Certa vez, questionado se sua campanha contra a fome não era uma gota d'água no oceano, Betinho respondeu com uma história: uma floresta pegava fogo, todos os animais fugiam, menos um beija-flor que ia no rio buscar uma gota d'água, no bico, para pingar no incêndio, quando outros bichos lhe perguntaram se aquilo não era ineficaz, respondendo o passarinho que pelo menos fazia a sua parte para apagar o fogo.
Se a pobreza tivesse que ser inventada, enquanto tema de estudo, poderia se proteger com códigos secretos, só acessíveis aos engajados, verdadeiramente, com a questão social. Assim, grande parte dos Poderes Legislativos, por exemplo, ia ficar deliciosamente desempregada. Ia ser a vingança da natureza, das gentes, a vingança divina contra uma horda uníssona de aproveitadores. Podia não resolver a pobreza, mas a vida ia ser mais honesta.

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